Eu sou você, você sou eu – uma análise sobre Frankenstein

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A obra Frankenstein, de Mary Shelley, faz parte da minha coleção de livros clássicos de horror, que aos poucos vou conhecendo mais intimamente, graças à leitura. Ricamente ilustrado, o livro não deixa nada a desejar aos filmes de Hollywood, ja que cada cena impactante é reproduzida com precisão por desenhos que lembram uma história em quadrinhos, nos envolvendo de tal forma que as imagens vão sendo construídas na nossa mente como se fizéssemos parte dela. O resultado é uma irresistível vontade de devorar cada página do livro.

Inspirada pela publicação de um amigo sobre sua percepção acerca da obra, decidi ler Frankenstein para compreender melhor seu contexto. Entretanto, diferente dele, que usou uma abordagem cristã para interpretar os personagens – como a relação entre Deus e o homem -, eu acabei enveredando pela visão psicanalítica, buscando entender os motivos pelos quais os personagens seguiram esse caminho.

Frankenstein explora a relação entre um cientista obstinado, Victor Frankenstein, e a criatura que ele traz à vida, revelando as consequências devastadoras dessa criação. Essa narrativa é rica em elementos que podem ser analisados sob a perspectiva da psicanálise, destacando os conflitos de desejos entre o criador e a criatura.

1. Narcisismo: O desejo de Victor de criar vida a partir de matéria morta pode ser visto como uma manifestação do narcisismo, já que ele busca alcançar um feito extraordinário para satisfazer seu próprio ego a todo custo, além de se destacar como um grande cientista e alcançar a glória.

2. Conflito entre Id e Super Ego: A busca de Victor por criar vida pode ser interpretada como uma tentativa de satisfazer um desejo instintivo (Id), um ideal de atingir uma grande conquista científica, não considerando a ética e a moral (Super Ego). Como resultado, a perda de controle sobre sua criação e a negligência de suas responsabilidades para com a criatura geram consequências desastrosas. É quando ele se dá conta de que fez algo errado para realizar um desejo egoísta.

3. Impulsos e Consequências: A criação da criatura também pode ser vista como uma representação da busca de satisfação de impulsos e desejos pessoais pelo criador, sem considerar as consequências éticas ou morais. Victor age impulsivamente, movido por sua curiosidade científica e desejo de superação, sem pensar nas implicações de suas ações.

4. Desejo de Poder e Controle: O desejo de Victor de criar vida também está relacionado ao seu desejo de poder e controle sobre a natureza, ultrapassando os limites para se tornar um mestre da vida e da morte.

A criatura de Frankenstein também pode ser vista pela análise psicanalítica, como uma consequência da manifestação dos desejos reprimidos e negados de Victor. Ao criar a criatura, Victor está dando vida a seus próprios desejos e aspirações não realizados. No entanto, ao se deparar com tal feito, ele imediatamente a rejeita e tenta se distanciar dela, representando uma tentativa de negar seus próprios impulsos e responsabilidades, dando-se conta de que tais desejos não deveriam ter vindo à tona. A persistência da criatura em sua vida serve como uma lembrança constante dos seus atos, e ela também sofre as consequências deles.

1. Rejeição: a criatura experimenta uma série de desejos e emoções intensas, incluindo solidão, raiva e desejo de aceitação, devido sua busca por aceitação tanto pelo criador quanto pela sociedade. Sua rejeição pela sociedade a condena ao isolamento social (indo morar em cavernas e florestas) devido às diferenças físicas e ao estigma criado.

2. Complexo de Édipo: no momento em que a criatura busca amor e aceitação, logo após ser trazida à vida, vem a sensação de abandono e rejeição, desencadeando vários eventos traumáticos.

3. Emoções reprimidas: A criatura expressa negativamente seu sofrimento e ressentimento diante da rejeição e solidão que enfrenta. Sem conhecer o amor e outros sentimentos positivos por parte do “pai”, sente-se infeliz e maliciosa, e sua resposta ao trauma é a raiva e a vingança.

4. Afeto e aprovação: A criatura anseia por amor e aceitação, mas, devido à sua aparência “abominável”, é constantemente rejeitada pela sociedade. Esses desejos de pertencimento e reconhecimento negados moldam a criatura de forma a não enxergar outra solução, a não ser dar o troco na mesma moeda (não na mesma intensidade).

5. Mecanismo de Defesa: o desejo de vingança da criatura vem da sua incapacidade de inspirar amor nas pessoas, a levando a adotar uma abordagem reativa, ou seja, causar medo e dor. Isso pode ser visto como um mecanismo de defesa, uma tentativa de proteger seu ego ferido e lidar com a rejeição transformando-se em um “monstro” que inspira medo em vez de amor.

Resumindo, o desejo de Victor Frankenstein de criar a criatura pode ser visto como uma expressão complexa das lutas entre o consciente (Ego) e o inconsciente (Id) da mente humana, bem como das consequências de negar ou reprimir os impulsos e desejos internos. Esse desejo pela criação da vida também pode ser visto como o medo que tem da morte, como demonstrou com a perda de seus parentes.

Já a criatura representa uma espécie de espelho do criador e da complexidade da psique humana, pois nasceu sem conhecer o mal nem a vingança, mas, carente de afeto e educação, acabou agindo por instinto em meio à rejeição e humilhação, restando-lhe apenas a fúria e o ódio como respostas. Isso demonstra como a falta da troca de experiências entre pares, o abandono e a rejeição, podem ser traumáticos na formação da personalidade e como a natureza humana pode ser influenciada por esses traumas, impossibilitando-nos de fugir das partes mais sombrias da nossa própria natureza…

Mas isso ele não sabia, pois quem imaginaria que a monstruosidade residia não apenas na criação, mas também na alma de seu criador…

“Você me deu emoções, mas não me ensinou a usá-las.” Frankenstein de Mary Shelley, Filme 1994

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