Nem Tudo Que Parece É…

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Na minha jornada pela psicanálise, uma das primeiras lições que aprendi foi que a verdade reside na experiência do sujeito. Cada indivíduo, ao viver sua própria realidade, possui sua verdade, fundamentada em algo que o impulsiona a pensar e agir de determinada forma. Em uma história envolvente, repleta de mistérios e suspense, me vi confrontada pelas múltiplas versões apresentadas pelos protagonistas e gostaria de compartilhar com você…

O Colecionador é uma envolvente obra que mergulha nas profundezas da psique humana, explorando a interseção entre paixão e obsessão e a linha tênue que separa o algoz da vítima. Esta narrativa, de uma grande riqueza psicológica, desnuda os labirintos da mente do protagonista, questionando a origem da psicopatia e as complexas relações entre liberdade e aprisionamento. De forma surpreendente, o autor explora ambos os lados da narrativa – vítima e algoz -, sob suas perspectivas. Isso ressalta a complexidade de interpretar os eventos, pois, dependendo do ponto de vista, cada personagem tem suas razões moldadas por fatores como criação, sociedade e condição socioeconômica.

Em minha análise pessoal, não busco justificar os erros e pecados do protagonista, mas sim entender como sua narrativa pode persuadir, até certo ponto, sobre as motivações por trás de seus atos. O personagem, moldado por uma vida solitária e marcada por ausência de amigos, pais e desdém dos colegas, encontra na sua “presa” uma representação do oposto: uma garota bonita, rica, culta e cercada de privilégios. Essa dualidade entre ambos é explorada de maneira profunda, revelando as nuances que levam o protagonista a tomar decisões extremas, baseadas no que lhe atrai, e o que lhe falta.

A paixão inicialmente inocente se perde em uma obsessão doentia, culminando no desenvolvimento de características psicopáticas, pois o mesmo tem ciência dos fatos, mas não se sente culpado. Mag Ribeiro

Ao sequestrar a fonte de sua frustração – ao mesmo tempo sua paixão -, o protagonista acredita estar protegendo-se ou convencendo-se de suas ações. Porém, a trama revela uma mente fria por trás de seu coração. A linha tênue entre desejo proibido e limite excedido é rompida, transformando-o em um verdadeiro monstro. A paixão inicialmente inocente se perde em uma obsessão doentia, culminando no desenvolvimento de características psicopáticas, pois o mesmo tem ciência dos fatos, mas não sente-se culpado.

O psicopata nasce pronto ou é moldado pela sociedade?

A obra levanta uma indagação intrigante: o psicopata nasce pronto ou é moldado pela sociedade? Deixo essa reflexão para o(a) leitor(a) explorar ao se envolver com essa obra complexa, simultaneamente maravilhosa e melancólica. A história denuncia o aprisionamento de mulheres vistas como presas fáceis, objetos de admiração e sujeitas ao bel-prazer de homens que, em suas perspectivas, acreditam estar agindo corretamente.

Isso me fez lembrar de uma leitura em que Freud sugeria que só conseguimos mudar nosso ponto de vista quando mudamos de perspectiva. Por exemplo, estando na posição do outro ou sentindo sua perda ou sofrimento. Mas, para o protagonista, não há alternativa. Ele se revela como um psicopata pronto para agir, alheio ao sofrimento humano. Embora acredite, inicialmente, que não repetirá tal ato, depois de tragicamente consumado, ele se vê, inconscientemente, arquitetando o próximo sequestro, ao avistar outra jovem semelhante à sua amada. Talvez, impulsionado pela ânsia de realizar seu desejo mal sucedido, ele busque novas “presas”, na esperança de um eventual sucesso. Sua mente doentia persiste, inconsciente de sua própria condição.

A narrativa também aborda a ilusão da paixão, que nos faz enxergar uma pessoa perfeita ao invés de um ser humano real, com todos os seus defeitos intrínsecos. Uma leitura instigante, porém triste, que nos força a questionar nossa própria natureza e papel na sociedade: afinal, somos seres livres, algozes ou prisioneiros, como borboletas em um cativeiro?

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