Nossa essência é sombria

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Sempre que mergulho em uma nova leitura, procuro me manter distante de análises e críticas, buscando formar minha própria opinião. Inicialmente, “Senhor das Moscas” parecia uma narrativa fantasiosa, retratando a jornada de garotos perdidos em uma ilha deserta, envoltos por monstros e canibais. No entanto, à medida que avançava na história, ficava evidente que havia algo maior por trás do tema. A obra retrata a essência humana, por meio da ruptura da infância e o despertar dos instintos primitivos, diante de circunstâncias extremas.

O livro conta a história de um grupo de garotos que ficam presos em uma ilha deserta após um acidente de avião. Sem a supervisão de adultos, eles tentam se organizar e estabelecer regras para suprir suas necessidades básicas, como acender fogueiras, construir cabanas e caçar alimentos. No entanto, suas ações vão gradualmente se modificando, à medida que os dias vão passando e começam a sentir medo e a discordar uns dos outros, dando lugar à selvageria.

A história retrata a divisão do grupo em duas tribos rivais lideradas por Ralph, que defende a civilidade, a bondade e a ordem, e Jack, que se entrega à brutalidade e ao desejo de poder. Conforme o enredo avança, a ilha se transforma em uma amostra da sociedade humana, onde a luta pelo poder, o medo e a violência crescem assustadoramente.

O autor William Golding explora a ideia de que os seres humanos possuem uma natureza inerentemente selvagem e instintiva, que pode emergir quando estamos fora da sociedade. Os personagens representam diferentes aspectos da psique humana, como o superego (representado por Ralph), o id (representado por Jack) e o ego (representado por Piggy). A ausência da supervisão de adultos permite que os garotos se comportem sem restrições, revelando seus impulsos mais primitivos. A falta de regras e normas leva à desintegração da civilidade e ao surgimento da violência e da barbárie.

O livro mostra como a dinâmica de grupo pode influenciar o comportamento individual, levando os indivíduos a agir de maneira diferente do que fariam sozinhos. Se, de um lado, existe a pressão exercida pelo chefe pela obediência às regras, por outro tem alguém oferendo uma vida sem regras, onde a moralidade deixa de importar. Isso leva o grupo a se dissolver e os membros a se identificar com outros pares, gerando comportamentos negativos e agressivos.

Mas, afinal, o que o tema tem a ver com a história? Fiquei me perguntando por um bom tempo, até chegar ao capítulo que explica o nome do livro. Enquanto os garotos faziam uma espécie de ritual macabro, comemorando a caça brutal aos porcos e a morte de garotos inocentes ao redor de uma fogueira, o líder do bando espetou a cabeça do porco e ofereceu à entidade ou “coisa” que eles acreditavam morar naquela ilha. E, como recompensa pela caça e atos bárbaros, fizeram uma espécie de oferenda a um deus. Passados alguns dias, a cabeça do porco foi deteriorando-se e enchendo-se de moscas, tornando-se, talvez, o símbolo da brutalidade dos meninos.

O nome escolhido pelo autor significa uma referência ao hebraico “Beelzebub”, que se traduz como “Senhor das Moscas” e frequentemente é associado ao demônio na tradição cristã. Ao utilizar esse título, o autor sugere uma conexão entre os eventos da história e a ideia do mal e da corrupção. A cabeça de um porco empalada se torna um símbolo sinistro que representa o declínio da civilidade e o surgimento do primitivismo e da crueldade entre os meninos na ilha deserta. A deterioração da cabeça do porco, que atrai moscas, é uma metáfora da degradação moral dos personagens e da ascensão da brutalidade e da selvageria. O título evoca não apenas a imagem literal da cabeça empalada coberta de moscas, mas também sugere a presença do mal e da decadência moral que permeiam a narrativa, explorando temas como o poder e a violência.

Este livro é uma crítica à natureza humana e à sociedade, mostrando que, sem controle e civilidade, os seres humanos são propensos à violência e à destruição. A obra adverte sobre os perigos da falta de civilidade, da corrupção do poder e da desumanização que podem surgir quando os indivíduos são deixados à própria sorte. Além disso, “Senhor das Moscas” nos lembra da importância da ordem, da moralidade e da cooperação para manter a sociedade funcionando de maneira justa e pacífica. Uma obra profundamente psicológica que nos leva a refletir sobre a natureza humana e as forças que moldam nossas sociedades.

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